O que você está vendo - MAPA DO BLOG

Esta página mostra meus trabalhos já publicados e alguns inéditos - contos, poesias, crônicas e imagens. Também estão aqui as versões originais das letras que fiz para a banda Dose Letal. Há trabalhos do século passado e atuais.
Olhando a sua direita, estão as obras dispostas por categoria e você pode acessá-las abaixo no "Arquivo do BLog".
Também posto aqui alguns trabalhos de divulgação de amigos ou pessoas relevantes - ver "Textos Indicados", à sua direita.
Depois está a lista de obras que participaram de concursos. Estas obras já foram citadas na lista "Obras por categoria". Apesar de algumas já merecerem reescrita, foram mantidos os originais.
No fim está uma lista de links de sites que considero que valem ser visitados.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Manchete

O dia estava novo, fresco, como a manteiga amolecendo em cima da mesa, que não foi guardada depois do café, mas esquecida ali quando se ouviram batidas na janela.

Ela era manhosa, como aqueles gatos de armazém, deitados em cima das sacas de arroz – mas que quando menos se espera te arranham.

E a arma disparou três vezes – e ninguém ouviu. Porque quando você se acostuma com um algo repetitivo, todo dia , toda hora, toda uma vida, não se o percebe mais. Como quem mora perto de aeroporto e se acostuma ao som dos aviões, como a adolescente para quem as palavras da mãe são vazias mas a intenção dos conselhos é dada pelo tom de voz.

Oito pessoas se atrasaram para o serviço.

Dilma viu tudo. Mas não irá falar. A desconfiança da polícia, o não querer entrar em confusão, o que dirá a vizinhança, ela tem mais o que fazer, afinal é só mais (ou menos) um (ou uma ) - tanto faz, o tanque tá cheio de roupa, não se ganha nada com isso, tem de aturar a patroa chata metida a besta e aqueles filhos mala. Azar.

A saia levantada, a meia-calça rasgada (com os dentes), a saliva escorreu e umedeceu de leve a parte interna das coxas. E o sorriso não desapareceu da boca mesmo depois de

A janela do barraco vivia trancada por causa da poeira. Hoje estava aberta. Assim como o ferrolho da porta.

Duque exasperava mas não conseguia se soltar. Assistia a tudo impotente, mexia-se, grunhia; sentia a pressão contra seus músculos do pescoço, a tração de seus ossos, sua pele prestes a rasgar com o atrito. Então, de repente, ele sentiu a corda que prendia a coleira ao muro de chapisco romper.


E um jornal menor da cidade diz: “CÃO VINGADOR! Motorista de van esquece celular em casa e quando volta para pegá-lo encontra a mulher com o vizinho. O amante mata o marido à bala mas tem a garganta estraçalhada por seu cachorro.”

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Texto Indicado - Excertos do livro Verdade-Metafísca-Poesia de Roberto Kahlmeyer-Mertens - PARTE 2/2

Essa poesia não é apenas um jogo de palavras em busca da estética, é recordação de uma dimensão esquecida que emerge como das brumas após ser evocada. Esquecidos dessa dinâmica, tem-se cotidianamente uma apreensão enevoada dessas instâncias. Dependendo de alguns poucos que, atentos ao modo de ser da realidade-verdade, efetuam tal resgate por meio de sua produção (poesis), ao despertarem novamente à experiência acenando aos demais como essa se daria. Com efeito, o poeta é quem ― ao falar ― limpa o significado das palavras devolvendo viço à linguagem; noticiando (como no poema) a alvorada da realidade-verdade que acontece em cada instante. O poeta fala para que se intua a morada na qual o homem se reúne, habita e se faz, melhor mirante dessa realidade; é quem ― tendo maior clareza desse ethos ― relata sua localização e o que nele ocorre, fazendo da poesia relato aos esquecidos.[1] Assim, poesia é relato.

(...)

O contato com o mundo ocidental apresentou necessidades que até então o japonês não tinha. Promoveu a urgência de desenvolver vocabulário e gramática para dizer o que era experiência completamente exótica àquele. Nesse período, vê-se nas universidades européias, sobretudo nas de Letras e de Filosofia, grande procura de acadêmicos japoneses ávidos de tomar conhecimento daquele modo de pensar que não se contenta com a imediatez da coisa e se lança ao perscrutar a realidade-verdade.[2] Doravante, a distinção entre Ocidente e Oriente passaria a não ser mais uma convenção geográfica das fronteiras entre os hemisférios do globo, Ocidente passa a ser a denominação de uma visão de mundo que acomete outra e que faz com que encontremos também na segunda a preocupação em pensar o universal de todas as coisas. Essa preocupação parece refletir no Oriente quando presenciamos questionamentos formulados no interior de haicais, como Pimentel evoca:

Que é um haicai?
É o cintilar das estrelas
num pingo de orvalho.[3]

O poema traz marcas do Ocidente não apenas por ter sido criado por um ocidental. É ocidental embora se caracterize formalmente como um haicai japonês. Na formulação o que é...? fica expresso o modo de perguntar desenvolvido pelos gregos e (embora a primeira estrofe traga uma pergunta que no contexto do poema seria retórica e a saída poética do haicai não tenha a intenção de respondê-la) é essa a fórmula que Platão e Aristóteles se valeram em suas investigações. Forma que ao longo de muitos séculos encaminhou o pensamento aos rincões da metafísica; sendo corpo estranho num haicai ao denunciar uma postura que não a serena e contemplativa dos orientais.

[1] Heidegger em um ensaio sobre a elegia Pão e vinho, do poeta Friedrich Hölderlin, pergunta: E para que poetas em tempo de penúria? A resposta é dada pelo próprio Heidegger quando afirma que poetas seguem um sentido perdido, buscando nas palavras um vigor esquecido; farejando o sentido esquecido. Os poetas provocam os demais homens a recordem que um dia houve sentido e que este pode ser retomado. (HEIDEGGER, op. cit., 1958) Daí o dizer poético e o filosófico seriam dois modos de recordar, a partir da imediatez da palavra, de mundos cujo sentido bateu em retirada. Também Blanchot, em sentido aproximado, indica o poeta como quem ouviu a fala das origens, se fazendo intérprete e mediador dela. O poeta não seria um escrevinhador, um “criador”, tal como entendido de maneira banal. Apenas atento ao sentido “ele pode fazer brotar a pura palavra do começo” (BLANCHOT, 1987, p. 29).
[2] Em contrapartida, também o Oriente na mesma época foi responsável por uma influência fascinante em toda a Europa. Na Alemanha, o budismo se tornava tema de interesse de filósofos como Schopenhauer (1788-1860). Na França (país que ao retomou relações culturais e de mercado com o Japão), introduziu-se a arte japonesa e sua poesia. Relata-se que gravuras e tecidos japoneses eram possíveis de se adquirir por preços módicos nas ruas de Paris, as damas da sociedade trocavam seus veludos e brocados por quimonos de seda. Além dos poetas e literatos, pintores como Gauguin (1848-1903) e Van Gogh (1853-1890) reproduziam gravuras orientais, encantados pela lucidez concentrada que os japoneses tinham do mundo e de seus fenômenos mais imediatos. Van Gogh, de seu gênio, teria identificado isso, como se constata em seu depoimento: “Invejo os japoneses pela extraordinária, límpida claridade que têm todos os seus trabalhos. Nunca é aborrecido e nunca parece ser feito muito à pressa. É tão simples como respirar, e desenhar uma figura com um par de traços seguros, com uma leveza, como se fora assim tão simples...”. (WALTHER, 1990. p. 25).
[3] PIMENTEL, 2004, p.256.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Soneto à tempestade

Nuvens que chegam anunciam o advento
A luz sussura um breve adeus
E quando me vejo por seus olhos chovendo
A noite escurece os seus e os meus

Sua boca troveja palavras em fúria
Vento carrega minha morte em anil
Que o meu medo de ti tem razão de existir
Pois só você sabe como me ferir

E você o faz sem o menor hesitar
Alvorada que traga minha alma que cai
Ao escuro da noite aonde ela se esvai

Sua visão ante mim, me faz perceber
Talvez não vá sobreviver
Até a hora do Sol nascer

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Texto Indicado - Excertos do livro Verdade-Metafísca-Poesia de Roberto Kahlmeyer-Mertens - PARTE 1/2

Como dito antes, aproveito esse espaço também para divulgar o que de relevante acho, não só o que seja de minha autoria. Abaixo temos trechos de um livro que será apresentado na próxima Bienal, divididos em dois blocos, sendo esta o primeiro e o segundo vem em breve. Como é um material que ainda será lançado, curtam a pré-estréia !

Excertos do livro Verdade-Metafísca-Poesia de Roberto Kahlmeyer-Mertens - PARTE 1/2

O ensaio em nosso livro tem por objetivo especular sobre a relação entre os pensamentos ocidental e oriental, a partir das noções de verdade, metafísica e poesia. Toma por ponto de partida a poesia haicai. Cumprindo a tarefa de uma problematização desses elementos e visando a contribuir para o preenchimento da lacuna existente entre os modos de pensar acima mencionados. Da mesma maneira, retoma o haicai como tema digno de consideração da Filosofia. (...) O escrito conta com três tópicos, cada qual reservado aos conceitos anunciados no título. Ao final, nos convencemos de que o haicai é terreno fértil ao pensar, para além das suas circunstâncias geográfico-culturais, entretanto, nossos resultados não se furtam a críticas ou se consideram palavra final.
Em nossa pesquisa, o acaso por vezes conspirou favoravelmente, para fazer com que se tornassem disponíveis livros e periódicos que permitiam pensar a implicação de Heidegger com o Oriente, com sua poesia e linguagem. Foi também assim que a poesia haicai veio à pauta de nossas discussões, tendo como pano de fundo a questão da verdade e da metafísica.
Entre todos os diálogos, o mais essencial foi o com o Poeta brasileiro Luís Antônio Pimentel. Seu conhecimento da cultura japonesa e a possibilidade de sua poesia conjugar todas as questões relativas ao encontro entre os pensamentos ocidental e o oriental, mais que testemunhar o intercâmbio entre essas, foram motivos suficientemente persuasivos para adotarmos seus haicais como ponto de partida para nossas reflexões de filosofia.


(...)


São incomensuráveis as controvérsias relativas à interlocução entre os pensamentos oriental e ocidental. Se por um lado temos a tentativa de legitimar uma dita filosofia oriental que aparece como o esforço de alguns poucos entusiastas pelo assunto; de outro, a comunidade acadêmica, em sua maioria, não aprecia tais investidas mantendo-se irredutível quanto à filosofia ser um fenômeno ocidental. Para essa, não existiria a filosofia fora da perspectiva européia, sendo qualquer manifestação genuinamente filosófica derivada desse modo de pensar. Se essas duas posições divergem nesses pontos, parecem concordar em ser arriscado qualquer tipo de tentativa de associação do pensamento oriental ao ocidental, ou de pensar o primeiro com os recursos do outro, sob o risco de uma tradução já alterar a essência e qualquer compreensão pretendidas, por se valer de seu vocabulário e gramática. Nesse cenário, ainda existem duas formas de nos portar diante dos temas e das questões fomentados pelo Oriente: ou bem silenciar, preterindo-o como pensamento ininteligível aos ocidentais e, por isso mesmo, indigno de ser chamado de filosofia; ou assumir o risco de pensar filosoficamente seus temas, apropriando-se de suas questões sem o pudor de tomá-las sob a única ótica que temos à disposição. A bem da verdade, do segundo modo, estaríamos fazendo filosofia à maneira do Ocidente (descarte-se aqui a intenção de uma filosofia oriental); apenas tomando o Oriente como ponto de partida.
Cientes disso, minimizar a discrepância seria adotar o melhor ponto do Oriente para começar nosso argumento. Para nossa aproximação, perguntaríamos o que aquilo que se convencionou chamar de Oriente poderia servir de solo ao nosso exercício de pensamento. Escapando da indiferença do arbítrio, presumimos que a melhor marca daquele mundo é a língua, dimensão continente de toda sua conjuntura, seu espaço de realização, compreensões, interpretações, asserções discursivas, referências, sinais e propósitos. Na língua, esses se depositam expressando com o que lidamos e seus determinados modos. Todavia, dentre os modos de expressão de um idioma, talvez o mais privilegiado seja o discurso poético. Parece ser evidente aos antigos que a poesia e o espírito humano são fenômenos indissociáveis e que (ainda que nunca tenhamos escrito uma única letra de poesia ao longo de uma existência) relata a própria vida do espírito, entre nascimento e morte, dando-se no intervalo entre essas duas instâncias inefáveis. Destarte, a poesia é relato de um mundo e de seus significados, indicadores do homem em sua realização.
Soma-se, assim, diversos motivos para tratarmos da poesia. Mas como pensar a poesia aqui? Seria o caso de apresentar notas sobre a gênese e história desse gênero? Ou quem sabe ceder à sedução de fazer crítica literária? Parece ser nosso texto fomentado pela necessidade de pensar o Ocidente aproximando-o (contrapondo-o) ao Oriente a partir de sua poesia, e pela urgência de preencher algum hiato no tocante às implicações filosóficas do pensamento oriental com sua poética; quem sabe em uma modalidade típica como a poesia haicai.[1]
[1] A viabilidade da utilização dos haicais como ponto de partida de endossa no seguinte parecer de Ute Guzzoni: “Sem dúvida, a antiga sabedoria Zen e a poesia dos haicais (...) não são filosofia no sentido usual da palavra. Contudo, podemos começar algo com elas. (...) Em nenhum outro lugar como no haicai japonês a admiração do que a cada vez é e não é encontrou lugar tão digno, seguro, e ao mesmo tempo tão singelo”. (GUZZONI, 2002, p. 76).

Confira texto integral em KAHLMEYER-MERTENS, R.S. Verdade-Metafísica- Poesia: Um ensaio de filosofia sobre os haicais de Luís Antônio Pimentel. Niterói: Nitpress, 2007 (no prelo).