Essa poesia não é apenas um jogo de palavras em busca da estética, é recordação de uma dimensão esquecida que emerge como das brumas após ser evocada. Esquecidos dessa dinâmica, tem-se cotidianamente uma apreensão enevoada dessas instâncias. Dependendo de alguns poucos que, atentos ao modo de ser da realidade-verdade, efetuam tal resgate por meio de sua produção (poesis), ao despertarem novamente à experiência acenando aos demais como essa se daria. Com efeito, o poeta é quem ― ao falar ― limpa o significado das palavras devolvendo viço à linguagem; noticiando (como no poema) a alvorada da realidade-verdade que acontece em cada instante. O poeta fala para que se intua a morada na qual o homem se reúne, habita e se faz, melhor mirante dessa realidade; é quem ― tendo maior clareza desse ethos ― relata sua localização e o que nele ocorre, fazendo da poesia relato aos esquecidos.[1] Assim, poesia é relato.
(...)
O contato com o mundo ocidental apresentou necessidades que até então o japonês não tinha. Promoveu a urgência de desenvolver vocabulário e gramática para dizer o que era experiência completamente exótica àquele. Nesse período, vê-se nas universidades européias, sobretudo nas de Letras e de Filosofia, grande procura de acadêmicos japoneses ávidos de tomar conhecimento daquele modo de pensar que não se contenta com a imediatez da coisa e se lança ao perscrutar a realidade-verdade.[2] Doravante, a distinção entre Ocidente e Oriente passaria a não ser mais uma convenção geográfica das fronteiras entre os hemisférios do globo, Ocidente passa a ser a denominação de uma visão de mundo que acomete outra e que faz com que encontremos também na segunda a preocupação em pensar o universal de todas as coisas. Essa preocupação parece refletir no Oriente quando presenciamos questionamentos formulados no interior de haicais, como Pimentel evoca:
Que é um haicai?
É o cintilar das estrelas
num pingo de orvalho.[3]
O poema traz marcas do Ocidente não apenas por ter sido criado por um ocidental. É ocidental embora se caracterize formalmente como um haicai japonês. Na formulação o que é...? fica expresso o modo de perguntar desenvolvido pelos gregos e (embora a primeira estrofe traga uma pergunta que no contexto do poema seria retórica e a saída poética do haicai não tenha a intenção de respondê-la) é essa a fórmula que Platão e Aristóteles se valeram em suas investigações. Forma que ao longo de muitos séculos encaminhou o pensamento aos rincões da metafísica; sendo corpo estranho num haicai ao denunciar uma postura que não a serena e contemplativa dos orientais.
[1] Heidegger em um ensaio sobre a elegia Pão e vinho, do poeta Friedrich Hölderlin, pergunta: E para que poetas em tempo de penúria? A resposta é dada pelo próprio Heidegger quando afirma que poetas seguem um sentido perdido, buscando nas palavras um vigor esquecido; farejando o sentido esquecido. Os poetas provocam os demais homens a recordem que um dia houve sentido e que este pode ser retomado. (HEIDEGGER, op. cit., 1958) Daí o dizer poético e o filosófico seriam dois modos de recordar, a partir da imediatez da palavra, de mundos cujo sentido bateu em retirada. Também Blanchot, em sentido aproximado, indica o poeta como quem ouviu a fala das origens, se fazendo intérprete e mediador dela. O poeta não seria um escrevinhador, um “criador”, tal como entendido de maneira banal. Apenas atento ao sentido “ele pode fazer brotar a pura palavra do começo” (BLANCHOT, 1987, p. 29).
[2] Em contrapartida, também o Oriente na mesma época foi responsável por uma influência fascinante em toda a Europa. Na Alemanha, o budismo se tornava tema de interesse de filósofos como Schopenhauer (1788-1860). Na França (país que ao retomou relações culturais e de mercado com o Japão), introduziu-se a arte japonesa e sua poesia. Relata-se que gravuras e tecidos japoneses eram possíveis de se adquirir por preços módicos nas ruas de Paris, as damas da sociedade trocavam seus veludos e brocados por quimonos de seda. Além dos poetas e literatos, pintores como Gauguin (1848-1903) e Van Gogh (1853-1890) reproduziam gravuras orientais, encantados pela lucidez concentrada que os japoneses tinham do mundo e de seus fenômenos mais imediatos. Van Gogh, de seu gênio, teria identificado isso, como se constata em seu depoimento: “Invejo os japoneses pela extraordinária, límpida claridade que têm todos os seus trabalhos. Nunca é aborrecido e nunca parece ser feito muito à pressa. É tão simples como respirar, e desenhar uma figura com um par de traços seguros, com uma leveza, como se fora assim tão simples...”. (WALTHER, 1990. p. 25).
[3] PIMENTEL, 2004, p.256.
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